Lembra da polêmica de um parecer que considera um livro de
Monteiro Lobato racista? A autora do documento é a nova ministra da Secretaria
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Nilma Lino Gomes. “As
pessoas não leram o parecer. Leram matérias estampadas em veículos e criou-se a
ideia de que estava vetando a obra”, explica.
Nilma é a entrevistada do “Fala, Ministro” e também comenta
sua gestão à frente da pasta e a importância de ações afirmativas para “mudar o
perfil da sociedade brasileira, transformando-a em uma sociedade realmente
justa e democrática”.
Confira abaixo.
A senhora é uma defensora histórica de políticas
afirmativas, criticadas por boa parte da sociedade. Qual a sua opinião sobre a
importância dessas medidas para a promoção da justiça social no Brasil?
Eu diria que as políticas de ações afirmativas são políticas
que ajudam qualquer sociedade que as implementa a fazer uma série de correção
de desigualdades históricas. No caso dos negros e do Brasil, eu penso que elas
são importantes para que possam colocar a população negra num lugar de
visibilidade social, de visibilidade política, embora, muitas vezes, essas
políticas sejam vistas pelo lado negativo, e não pelo lado da cidadania, do
direito.
Elas são importantes para que o Estado saia de um lugar de
uma neutralidade estatal e assuma políticas de correção de injustiças
históricas, contribuindo para a construção da justiça social.
Eu acho, que a médio e longo prazo, o potencial que essas
políticas têm é de fazer uma mudança no próprio perfil da sociedade, no perfil,
no caso, que a população negra tem na sociedade brasileira para que nós
possamos ter a oportunidade de ver pessoas negras nos mais diversos espaços
sociais por um direito e por uma intervenção do Estado de incidir com políticas
na realidade social para garantir esses direitos [...] para que a gente alcance
uma sociedade que seja realmente democrática, equânime, igualitária e com
justiça social.
O que a senhora tem a dizer sobre o seu parecer em relação à
obra “Caçadas de Pedrinho” do escritor infantil Monteiro Lobato?
O parecer surgiu de uma denúncia que foi feita, à época, à
Ouvidoria da Seppir. A Ouvidoria encaminhou a denúncia para diferentes órgãos
como o Conselho do Distrito Federal, o Ministério da Educação e também para o
Conselho Nacional de Educação. O Conselho então se posicionou, através de um
parecer, e eu fui a relatora. Esse parecer o que ele faz é dar orientações, ele
faz contextualizações para o sistema de ensino e para as escolas em relação não
só a essa obra, mas em relação a obras literárias cujos estudos críticos hoje
mostram a presença de estereótipos raciais.
O que nós fizemos foi orientar as editoras que inserissem
uma nota explicativa nos livros falando sobre a questão dos estereótipos raciais
na obra do Lobato, assim como em outras obras literárias falando do contexto
hoje no Brasil, da superação do racismo, enfim, como um ato educativo.
O que aconteceu, à época, é que esse parecer foi mal
interpretado por vários setores da mídia, dos setores literários, pela
sociedade civil. As pessoas não leram o parecer, leram muito mais manchetes
espalhadas por vários veículos midiáticos e também por conversas nas redes
sociais e criou-se a ideia que o parecer estava vetando a obra do Lobato, de
que o parecer estava mandando tirar livros das bibliotecas, inverdades foram
criadas. Isso virou uma discussão em nível nacional, que eu acho inclusive que
é uma discussão formadora e educativa. Esse parecer então foi reexaminado, a
pedido do Ministério da Educação.
No reexame, nós retiramos o que estava escrito como nota
explicativa que estava dando margem para muitas interpretações equivocadas, e
colocamos aquilo que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) já orienta as
editoras para a publicação de livros, que houvesse uma contextualização do
autor e da obra sobre a questão dos estereótipos raciais na literatura e que
isso fosse incluído nas novas edições do livro.
Além dessa contextualização, o parecer prevê que a formação
do professor inclua a discussão dos estereótipos raciais na literatura e das
questões ligadas ao racismo. Porque o professor é o grande mediador na hora de
a criança trabalhar em sala de aula com livro, com uma obra literária. Ele faz
uma mediação. E nessa mediação, esse professor enquanto formador e educador,
ele tem que ter subsídio para poder orientar essa criança. Para explicar às
crianças que hoje nós estamos em outros tempos.
Para que o professor consiga conduzir o debate para que não
se criem situações de constrangimento para as crianças negras dentro da escola,
que aquilo que está numa personagem não possa se transformar em apelidos
pejorativos, por exemplo, para crianças negras dentro da escola. Nós estamos
falando de livros que são escolhidos didaticamente, pedagogicamente, para alfabetização
e para contribuir numa formação escolar, que as crianças vão ter acesso dentro
das escolas. Nós estamos falando de uma dimensão pública da literatura. Essa
contextualização é importante, evidentemente, sem ferir o caráter literário da
obra.
Como será sua gestão à frente da Seppir?
A Seppir já tem 11 anos de funcionamento e uma série de
trabalhos já iniciados das gestões que vieram antes de mim. Então, na minha
gestão, o que eu tenho chamado atenção é de dar continuidade ao trabalho da
Seppir em quatro grandes eixos que esta Secretaria já desenvolve vendo aquilo
que nós já construímos, aquilo que precisamos avançar e trazendo olhares novos:
o eixo das ações afirmativas, da questão quilombola e dos povos de comunidades
tradicionais, da nossa juventude – com enfoque na juventude negra – e também na
internacionalização e aí pensando na internacionalização articulando América
Latina e região e também África, com foco também nos países africanos de língua
portuguesa, pelo nosso diálogo, que nos aproxima pela questão da própria língua
etc.
Além disso, o diálogo com os outros ministérios, porque a
política de promoção da igualdade racial não é algo exclusivo da Seppir, a
política de promoção da igualdade racial é de todos nós. A superação do
racismo, a construção de oportunidades iguais, essa é uma política e uma ação
cidadã que envolve toda a sociedade brasileira.
Fonte: Blog do Planalto
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